Para muitos, a Veneza é uma linda cidade que recebe mais de 15 milhões e turistas por ano, mas para nós, amantes da história, a Veneza de hoje é um reflexo muito bem conservado da grande nação do Mar Adriático. Desde o século V, a região das lagunas no noroeste italiano foi aos poucos ocupada pela população que já vivia em terra firme mas temerosas pelas frequentes invasões bárbaras, procuraram “terras” menos atraentes. O estreito formado entre o Mar Adriático e os Alpes foi passagem quase que obrigatória dos povos que invadiram a península itálica, como Átila, o Huno, Odoacro, rei dos hérulos, Teodorico, o Ostrogodo entre muitos outros.
Além de possuir terras boas para o cultivo, a região era economicamente atraente por envolver importantes cidades romanas como Aquileia, Pádova, Altinum e outras. Com a deposição do último imperador romano em 473 d.C., o controle da região passou pela mão de diversos povos que nunca chegavam a consolidar suas esperanças de desenvolvimento e estabilidade. Assustadas, as pessoas que ali viviam passaram a ocupar “terras” menos atraentes a fim de evitar os frequentes invasores. Foram então rumo às lagunas.
As sucessivas invasões dos povos bárbaros ao já decadente império romano fez com que o então promissor Império Bizantino (Império Romano do Oriente) lançasse em 535 d.C. uma campanha de reconquista da península itálica. Sob as ordens do General Belissário, os exércitos do imperador conquistaram a importante cidade de Ravena e posteriormente, Roma, assegurando na região, estabilidade e prosperidade. Neste momento, o contato dos povos que ocupavam as regiões alagadas com o império do ocidente começou. Digamos que assim nascia uma grande amizade.
Mesmo durante a presença dos bizantinos na península itálica, outros povos a invadiram e a sucessão de seus reis e governadores fez com que cada vez mais pessoas migrassem para a região das lagunas. Desde o momento em que estas regiões quase aquáticas começaram a ser ocupadas, 300 anos se passaram carregando população, história e comércio para as áreas habitáveis dentro da laguna. É importante lembrar que esta região possui várias ilhas, estreitos e bancos de areia espalhados. Nesta altura, os mais facilmente habitáveis estavam ocupados primeiro formando diversas “sedes municipais” diferentes, porém quase nada havia na Ilha Rialto que é o que atualmente conhecemos por Veneza. Estas pequeninas sedes municipais foram controladas por diferentes governadores eleitos pelos habitantes delas mesmas. Neste intervalo de tempo, nasceu e floresceu o império Carolíngio, e Pepino, filho de Carlos Magno, em 810 d.C. ataca Ravena e migra em direção a região das lagunas.
Unidas sob o comando de um amável senhor conhecido como Agnello Participazzio, as sedes juntaram suas forças e conseguiram fazer com que Pepino não conquistasse efetivamente aqueles territórios. Assim, com o sentimento de união, a pequena Veneza mostrava mais uma vez sua soberania e autenticidade. desde o surgimento do pequeno povoado que ocupava quase todas as áreas habitáveis da região das lagunas até a unificação deles sob um controle central haviam se passado cerca de 300 anos. Lembrem-se de que 300 anos é muito tempo! (Ao analisar a história, muitas vezes ignoramos os enormes impactos que um intervalo de tempo cronológico significa, por exemplo: em 300 anos [no período medieval], uma cidade já sobreviveu por mais de 10 gerações, imaginem agora o efeito disso na consolidação de uma cultura, de um sistema de governo, do comércio, no desenvolvimento do sentimento de soberania e outros).
Aquele senhor Agnello Participazzio, mercador que havia sido eleito para controlar as tropas e defender a região das Lagunas de Pepino, filho de Carlos Magno, foi eleito governador geral daqueles povoados já então chamados de Veneza. As “sedes municipais”, apesar de estarem localizadas nas lagunas, eram mais próximas ao continente e consequentemente mais expostas a invasores e problemas externos. Com as incessantes invasões e ameaças, as pessoas cada vez mais procuravam lugar ainda mais seguro e tudo indicava que Rialto era este local. Além disso, Agnello era uma das poucas pessoas que realmente habitava a ilha de Rialto (o que hoje é a Veneza que conhecemos). Como foi eleito “Doge” (título semelhante a Duque, nos sistemas republicanos medievais italianos), preocupou-se principalmente em consolidar a posição de Rialto perante as demais sedes, nomeando para isso, três responsáveis pela edificação da nova cidade. Nicolo Ardisinio responsável pela fortificação da cidade. Lorenzo Alimpato, que deveria reforçar praias, escavar canais e preparar os locais onde estariam as futuras edificações. Pietro Tradonico, que por sua vez seria o supervisor geral das construções e edifícios propriamente ditos.
Desta forma, estava lançado o “plano diretor” da capital do que seria uma importante república (lembrando que a analogia com o plano diretor é minha e apresenta, como todas as analogias, falhas conceituais e históricas). Naqueles tempos, a tecnologia da construção em áreas pantanosas e molhadas já havia sido dominada: consistia basicamente em cravar estacas de madeira, muito próximas umas das outras, na areia submersa fazendo assim uma grande malha onde podem ser apoiadas as fundações de pedra e tijolos.
Daí em diante, Veneza nunca parou. Mas alguma coisa faltava. As relações com os imperadores bizantinos já estavam consolidadas. As com o sacro império romano estavam em vias de. Mas um importante elemento cultural precisava ser retirado da névoa das marés matutinas: a fé. Muito mais podemos falar sobre o nascimento da sereníssima república, mas isso o farei em outros posts. Considero que, para a profundidade que este blog pretende atingir, estas informações passadas nestes dois posts são suficientes para fornecer ao leitor fundamental suprimento cultural. Os próximos posts a respeito de Veneza não necessariamente serão uma continuação, mas poderão ser úteis para os interessados.
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